quinta-feira, 6 de novembro de 2008

DIREITOS DOS DOENTES







1. O doente tem direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana.

Sempre e em qualquer situação, toda a pessoa tem o direito a ser respeitada na sua dignidade, mas mais ainda quando está inferiorizada, fragilizada, perturbada pela doença. Os profissionais de saúde, ou seja, os que prioritariamente dispensam cuidados (médicos, enfermeiros) mas também todos os outros (desde os técnicos, os auxiliares, os administrativos, os maqueiros, porteiros, telefonistas, recepcionistas, seguranças, etc.), que intervêm no complexo sistema de saúde, têm de respeitar a dignidade do doente, direito fundamental do qual decorrem os restantes.

Esta atitude de respeito tem consequências práticas importantes: o doente será acolhido com civilidade, não será tratado por tu, pelo primeiro nome ou por um número, não terá longos tempos de espera sem obter informação e explicação, será respeitado o seu pudor e privacidade, será sempre olhado como uma pessoa e não como um caso, como um interlocutor que sabe com quem dialoga e não como alguém que recebe ordens. Ou seja, o doente é um parceiro no processo da saúde e não um subordinado cumpridor.

O Hospital esforça-se por lhe fornecer as amenidades que representam uma expressão prática do respeito pela sua dignidade pessoal (possibilidade de fazer chamadas telefónicas, acesso a jornais e revistas, a água engarrafada, etc.).

Finalmente, o doente internado tem direito a receber (ou a recusar) visitas de familiares e amigos, mantendo e intensificando os laços que a eles o une. É, todavia, óbvio que essas visitas terão de obedecer às normas em vigor no Hospital, embora sejam sempre gratuitas e não restritas a um único e apertado período diário.

2. O doente tem direito ao respeito pelas suas convicções culturais, filosóficas e religiosas.

Do direito ao respeito pela dignidade resulta, necessariamente, este outro. As convicções do doente não podem ser rebatidas, ridicularizadas ou menosprezadas. Isto vai desde coisas pequenas (não gozar com a derrota do clube de que o doente é adepto, não troçar de bairrismos ou ideias preconceituosas) até às mais importantes, como a aceitação de crenças e práticas religiosas, mesmo quando estranhas à nossa cultura e mentalidade. Na prática, isto leva à adaptação da dieta de modo a não ofender prescrições religiosas (p. ex., no caso de muçulmanos e judeus), ao respeito pelo sábado, à não utilização de sangue e seus derivados em adultos praticantes de determinada confissão, etc.

Pelas mesmas razões, deve ser sempre facilitado o contacto do doente internado com um ministro da sua religião, a fim de obter o apoio espiritual que requeira, e proporcionada a privacidade que dê condições para a entrevista ou a ministração de sacramentos.

3. O doente tem direito a receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde, no âmbito dos cuidados preventivos, curativos, de reabilitação e terminais.

Os cuidados de saúde a cargo do Estado têm de ter qualidade técnico-científica e de ser adequados às necessidades. Todavia, um sistema de saúde que oferecesse cuidados de qualidade mas apenas acessíveis a determinadas categorias de doentes seria profundamente injusto e inaceitável. Todos temos direito a ter acesso a cuidados e esse acesso tem de ocorrer em tempo útil. Há intervenções diagnósticas e terapêuticas urgentes, às quais deve ser dada prioridade, e outras que podem esperar, sem que daí advenha prejuízo de maior para o doente. Assim, a extracção de um tumor maligno terá prioridade sobre uma operação as varizes ou uma plastia da anca devido a artrose. Mas isso tem de ser explicado ao doente e deve fazer-se todos os esforços por marcar datas, mesmo quando distantes, para evitar o sofrimento psicológico de se encontrar numa lista de espera que se afigura infindável.

Os cuidados terminais são tão importantes quanto os curativos: o doente tem o direito de morrer com dignidade, sem dores, rodeado de carinho e atenção, quer o desenlace ocorra no Hospital ou no domicílio.

Todo este conjunto de direitos sofre alguma limitação pela escassez de certos recursos, nomeadamente de tecnologias sofisticadas e altamente dispendiosas; a obrigação é de utilizar o melhor possível os recursos existentes e de adoptar os critérios da justiça e da equidade no acesso, não discriminando nenhuma pessoa doente.

4. O doente tem direito à prestação de cuidados continuados.

Se há doenças agudas que podem evoluir em poucos dias, outras há que exigem continuidade de cuidados.

As primeiras são geralmente tratadas no hospital, enquanto as doenças prolongadas ou crónicas podem exigir acompanhamento pelo médico de família, enfermeiros ou outros profissionais, internamento hospitalar ocasional ou periódico, cuidados domiciliários. O doente tem o direito de ser informado das características do esquema que será adoptado no seu caso, e o sistema de saúde tem de estar organizado e articulado de modo a garantir uma continuidade do tratamento. Quando os cuidados sejam prestados no domicílio, o doente e/ou aqueles que com ele vivem têm de ser informados e eventualmente treinados a dispensar cuidados apropriados (p. ex. a deficientes motores, doentes psíquicos, incontinentes, ostomizados, etc.), se necessário com o complemento de visitas domiciliárias dos profissionais de saúde.

5. O dente tem direito a ser informado o acerca os serviços de saúde existentes, suas competências e níveis de cuidados.

Uma das grandes dificuldades do doente é o desconhecimento, em que muitas vezes se encontra, acerca dos serviços a que deve recorrer, as suas competências, regras, horários, modalidades de acesso, etc.

Tem pois direito a ser informado com exactidão e prontidão acerca de todos estes aspectos. Assim, pedidos de esclarecimento acerca de horários, formalidades, locais de acolhimento e encaminhamento têm de ser atendidos, de forma cortez e solícita, pelos centros de saúde, consultas hospitalares, serviços de recepção etc., quer quando formulados pessoalmente quer telefonicamente.

O doente deve também ser informado de quais os elementos de diagnóstico e terapêutica (p. ex. radiografias, TAC, análises, electrocardiograma,etc.) de que deve fazer-se acompanhar quando for orientado para outro serviço.

Os Hospitais e Centros de Saúde devem dispor de sinalética interior e exterior adequada e de folhetos informativos para os utentes.

6. O doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde.

É evidente que o estado de saúde do doente diz respeito, antes de mais, ao próprio doente. Por isso, tem o direito de ser informado, de forma completa e verdadeira, sobre esse estado. Essa informação tem de ser prestada de forma clara, evitando designações científicas incompreensíveis para a maior parte dos doentes e deve abranger o diagnóstico, a provável evolução da doença e os tratamentos previstos.

A informação é dada com delicadeza, tendo em conta a personalidade do doente, o seu grau de instrução, as suas atitudes e esperanças. Muitas vezes, particularmente em doenças com mau prognóstico, o doente não deseja obter essa informação, particularmente no que respeita ao diagnóstico e à evolução previsível; neste caso a sua vontade será respeitada e a informação poderá ser prestada ao familiar ou amigo da confiança do doente.

7. O doente tem o direito de obter uma segunda opinião sobre a sua situação de saúde.

Este direito significa que o doente poderá obter o parecer de outro médico, que não o que o trata, acerca do diagnóstico e, sobretudo, do tratamento proposto. É um direito que só deve ser invocado e posto em prática quando haja dúvidas sérias e legítimas sobre a atitude a tomar por exemplo sobre realizar ou não uma intervenção cirúrgica, proceder a este ou aquele tratamento caracterizado por reacções incómodas, desagradáveis ou perigosas.

Para o doente internado, não é fácil obter esta segunda opinião, mas poderá sempre recorrer-se ao médico de família (do Centro de Saúde) ou a um médico da prática privada. O recurso a uma segunda opinião não representa desconfiança em relação ao médico encarregado de tratar o doente, mas apenas, nos casos indicados, a vontade de decidir melhor depois de ouvir os conselhos de dois profissionais independentes.

8. O doente tem direito a aceitar ou recusar o seu consentimento, antes de qualquer acto médico ou participação em investigação ou ensino clínico.

O doente é, como dissemos, um parceiro no processo de saúde. A sua vontade, baseada no princípio da autonomia, não pode ser ignorada, ultrapassada ou contrariada. Se ele não estiver de acordo e recusar um qualquer acto de diagnóstico ou de tratamento, nada há a fazer, mesmo se a sua decisão for errada ou prejudicial para a sua saúde. Simplesmente, esta sua decisão só pode ser tomada se estiver esclarecido, através de uma informação completa, clara e verdadeira que lhe seja prestada antes da decisão. Se for importante para a saúde e a própria vida, o médico esforçar-se-á por convencer o doente da necessidade de dar o seu acordo, mas nunca poderá proceder contra a vontade, manifestada de forma inequívoca e firme, de um doente consciente e competente.

No caso de doentes menores ou incapazes, a decisão deve ser tomada pelo médico e pelo representante legal do doente ou seus familiares (na ausência de representante legal), tendo sempre em vista o interesse do doente.

Em situações de urgência, o médico tomará as suas decisões baseado na indicação médica e tendo em vista o interesse do doente, partindo do princípio que este, se estivesse em condições de se manifestar, daria o seu acordo às medidas a executar (consentimento presumido).

9. O doente tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que lhe respeitam.

Os dados que dizem respeito à doença de uma pessoa e à própria pessoa são rigorosamente confidenciais, não podendo ser comunicados senão ao próprio doente ou a quem este determinar, e no caso de não haver prejuízo para terceiros, ou ainda quando a lei estabeleça essa comunicação. Isto significa que os profissionais de saúde (todos, e não apenas os médicos) que tenham acesso a esses dados estão obrigados, sob pena de procedimento disciplinar ou legal, a respeitar o segredo profissional. De facto, o diagnóstico, a provável evolução da doença, o modo como foi adquirida (p. ex. no caso de doenças infecciosas), a sua gravidade, os dados analíticos e de imagem, dizem exclusivamente respeito ao doente e a quem o trata e dele cuida. Não há, porém, quebra do segredo profissional quando um médico comunica a outro médico esses dados, no caso deste segundo médico intervir no processo do doente.

10. O doente tem direito de acesso aos dados registados no seu processo clínico.

O processo clínico de um doente, a sua ficha ou o suporte informático, em que se registam dados do doente, têm de ser acessíveis a este, se ele assim o desejar (mas não a outras pessoas, mesmo familiares, e muito menos a entidades terceiras, tais como companhias de seguros, a não ser por expressa vontade do doente).

Há todavia casos em que é legítimo não fornecer informação clínica completa: quando houver informação sobre dados clínicos de outras pessoas, mesmo que familiares, e quando haja fundados receios de que a revelação desses dados possa ser prejudicial para a saúde do doente (p. ex. diagnóstico da malignidade em doente psicologicamente instável e frágil).

11. O doente tem direito à privacidade na prestação de todo e qualquer acto médico.

Em consequência do obrigatório respeito pela dignidade da pessoa humana, é evidente que o doente tem direito à manutenção da sua privacidade. Na prática, isto quer dizer que só podem assistir a actos de diagnóstico ou de tratamento os profissionais necessários à sua execução, a não ser que o doente solicite a presença de outros (p. ex., de um familiar) ou dê o seu assentimento a que elementos em formação (p. ex. médicos no internato, estudantes de medicina ou de enfermagem, estagiários) assistam ou pratiquem esses actos. O direito à privacidade e o respeito pelo pudor exigem que manobras diagnósticas, terapêuticas ou de cuidados, praticadas sobre zonas íntimas, sejam realizadas com recato. Isto tanto se aplica a gabinetes de consulta como a enfermarias, que devem ter cortinas a separar as camas. A vida privada e íntima, as orientações e práticas sexuais do doente não devem ser comentadas, nem sequer se justificando o interrogatório sobre esta matéria, a não ser quando tais elementos sejam valiosos para o diagnóstico, evolução e tratamento da doença. O respeito pela privacidade do doente internado significa ainda que este tem direito a estar sozinho e a não comunicar com outros doentes ou profissionais, fora das actividades hospitalares normais.

12. O doente tem direito, por si ou por quem o represente, a apresentar sugestões e reclamações.
Embora a grande maioria das instituições e dos profissionais que nelas trabalham se esforcem seriamente por prestar serviços de qualidade, atempados e humanizados, pode haver situações em que o doente não foi tratado como deveria ser ou em que algum dos seus direitos foi ofendido. Nestas situações, é seu direito sugerir modificações ou reclamar. Dirigir-se-á ao Gabinete do Utente, onde exporá as suas queixas e poderá obter esclarecimentos adicionais. Deverá deixar a sua reclamação, por escrito, no livro (amarelo) para tal fim posto à disposição dos utentes. A reclamação ou sugestão pode ser apresentada pelo representante legal ou ainda por organizações representativas (associações de doentes). O doente tem de receber, em tempo útil, resposta, informação ou comentário à sua sugestão ou reclamação.


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